quinta-feira, 29 de julho de 2010

Culé de mexê dôce.

Ermano Morais
Teus amô é parecido cum culé de mexê dôce
Meus amo é cuma fosse o dôce que é mexido
E pra dize mais dizido teus amô vô cumparando
Cum fugão de lenha assando os bolo de sentimento
Que carrego cá pro dentro e que vão te alimentando

Teus amô tem as feição dos miolo dos toró
Das bença de minha vó dos chucaio dos truvão
Teus amô é cansanção numa pele de sodade
Teus amô é de verdade digo isso pro que vi
Teus amo me invadir numa noite de eternidade

Teus amô só me judia quando faz seus catimbó
E esconde em seus cocó as pegada das puisia
Pro donde eu caminharia pastorando os relampejo
E os rebanho de bêjo que teus amô me ofertando
Meus amô segue aboiando pros curral do meus desejo

Teus amô tava escrivido nas taba dos nevoêro
Nas conca dos imbuzêro nas prosa dos falecido
Nos rastro dos foragido no sabão das lavadêra
Nos canto das rezadêra nos oceano dos pote
E nas mola dos pinote das infância baguncêra

Teus amo tem as fragância das fulô que deus criô
E pingô no teus amo pra ti dar tanta cherança
Teus amô é as criança nas fulô das inucênça
Teus tem as urgênça das coisa que demoraro
E que por isso pagaro o imposto da intransigênça


 

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Poema Do Menino Jesus

 Num meio-dia de fim de primavera eu tive um sonho como uma fotografia: eu vi Jesus Cristo descer à Terra.
Ele veio pela encosta de um monte, mas era outra vez
menino, a correr e a rolar-se pela erva
A arrancar flores para deitar fora, e a rir de modo a
ouvir-se de longe.
Ele tinha fugido do céu. Era nosso demais pra
fingir-se de Segunda pessoa da Trindade.
Um dia que DEUS estava dormindo e o Espírito Santo andava a voar, Ele foi até a caixa dos milagres e roubou três.

Com o primeiro Ele fez com que ninguém soubesse que
Ele tinha fugido; com o segundo Ele se criou
eternamente humano e menino; e com o terceiro Ele
criou um Cristo eternamente na cruz e deixou-o pregado
na cruz que há no céu e serve de modelo às outras.
Depois Ele fugiu para o Sol e desceu pelo primeiro
raio que apanhou.
Hoje Ele vive na minha aldeia, comigo. É uma criança
bonita, de riso natural.
Limpa o nariz com o braço direito, chapinha nas poças
d'água, colhe as flores, gosta delas, esquece.
Atira pedras aos burros, colhe as frutas nos pomares,
e foge a chorar e a gritar dos cães.
Só porque sabe que elas não gostam, e toda gente acha
graça, Ele corre atrás das raparigas que levam as
bilhas na cabeça e levanta-lhes a saia.
A mim, Ele me ensinou tudo. Ele me ensinou a olhar
para as coisas. Ele me aponta todas as cores que há
nas flores e me mostra como as pedras são engraçadas
quando a gente as tem na mão e olha devagar para
elas.
Damo-nos tão bem um com o outro na companhia de tudo
que nunca pensamos um no outro. Vivemos juntos os dois
com um acordo íntimo, como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer nós brincamos as cinco pedrinhas no
degrau da porta de casa. Graves, como convém a um DEUS
e a um poeta. Como se cada pedra fosse todo o Universo
e fosse por isso um perigo muito grande deixá-la cair
no chão.
Depois eu lhe conto histórias das coisas só dos
homens. E Ele sorri, porque tudo é incrível. Ele ri
dos reis e dos que não são reis. E tem pena de ouvir
falar das guerras e dos comércios.
Depois Ele adormece e eu o levo no colo para dentro da
minha casa, deito-o na minha cama, despindo-o
lentamente, como seguindo um ritual todo humano e todo
materno até Ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma. Às vezes Ele acorda de
noite, brinca com meus sonhos. Vira uns de pena pro ar,
põe uns por cima dos outros, e bate palmas, sozinho,
sorrindo para os meus sonhos.
Quando eu morrer, Filhinho, seja eu a criança, o mais
pequeno, pega-me Tu ao colo, leva-me para dentro a Tua
casa. Deita-me na tua cama. Despe o meu ser, cansado e
humano. Conta-me histórias caso eu acorde para eu
tornar a adormecer, e dá-me sonhos Teus para eu
brincar.
 
 Fernando Pessoa


domingo, 25 de julho de 2010

A Dona da História

A Noite pergunta ao Bobo:
"Bobo, que te importa mais nessa vida além do amor dessa menina?"
O Bobo respondeu: "Nada mais, Noite, só a Carolina."
"E a tua luta?"
"Carolina!"
"E o poder?"
"Carolina!"
"E a Glória?"
"Carolina!"
"E o mundo mais justo?"
"Carolina, Carolina, Carolina... Eu quero que o mundo se exploda, se eu não tiver a Carolina... Eu sou o bobo da tua noite, menina, o bobo da tua vida."



http://www.youtube.com/watch?v=ZebvGG9zIcM

sábado, 24 de julho de 2010

Nada Normal

Composição: Victor Chaves
Lareira pra acender,
Um céu pra se olhar
E tudo está tranquilo por aqui
Você vai me vencer,
Eu vou me apaixonar.
Não há mais o que decidir
Dos nossos lábios todas as palavras
Nada dizem
Aos nossos olhos tudo que já vimos
Foi vertigem
E é tudo tão real
Mas nada normal
Te lembro e já me sinto ao seu lado,
No seu mundo
Me identifico com você de um jeito
Tão profundo
E é tudo tão real
Mas nada normal
Você vai me vencer,
Eu vou me apaixonar.
Não há mais o que decidir
Dos nossos lábios todas as palavras
Nada dizem
Aos nossos olhos tudo que já vimos
Foi vertigem
E é tudo tão real
Mas nada normal
Te lembro e já me sinto ao seu lado,
No seu mundo
Me identifico com você de um jeito
Tão profundo
E é tudo tão real
Mas nada normal
http://www.youtube.com/watch?v=MduRKGtfMvo&feature=player_embedded 

Telha de vidro

Rachel de Queiroz

Quando a moça da cidade chegou
veio morar na fazenda,
na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha...
A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...
Agora,
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que — coitados — tão velhos
só hoje é que conhecem a luz doa dia...
A luz branca e fria
também se mete às vezes pelo clarão
da telha milagrosa...
Ou alguma estrela audaciosa
careteia
no espelho onde a moça se penteia.
Que linda camarinha! Era tão feia!
— Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta, fria, sem um luar, sem um clarão...
Por que você na experimenta?
A moça foi tão bem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!

Vó Laura... 


http://www.revista.agulha.nom.br/rqueiroz.html#telha

Perfídia.



Te amei
Como ninguém
Te amou querida
De ti o menor gesto adorei
Esquecido da própria vida...
Perfídia
Mandaste embora
Eu não esqueci
Das rosas, das orquídeas
Das violetas
Que eu dava a ti...
Distraída no ambiente luxuoso
Em  que sempre vivias
Tu deixaste que murchassem
Minhas flores
Meu bouquet de fantasia...
E agora
Que adoras a quem te magôa
Perdoas pelo bem que eu te fiz
Perdôa e serás feliz...
Distraída no ambiente luxuoso
Em  que sempre vivias
Tu deixaste que murchassem
Minhas flores
Meu bouquet de fantasia...
E agora
Que adoras a quem te magoa
Perdoas pelo bem que eu te fiz
Perdoa e serás feliz...